Eu tenho uma mania: a de me apaixonar, por tudo que a vida me oferece. Vivo procurando motivos para que o ENCANTO nunca termine!

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Eu queria ser uma estrela pra viver longe daqui. Eu queria ser uma espada pra ferir, uma faca  pra cortar, uma tesoura pra rasgar, uma lança pra atravessar. Eu queria ser a fome do mendigo, e o medo, o frio, a falta de moradia. Eu queria ser a cobra peçonhenta, que joga o seu veneno e vai embora, o sapo que incha e mete medo, a barata que dá repugnância, a abelha que pica e dói, vermelhidão, o escorpião que mata com o ferrão.

Eu queria ser prisão, que impede o sol, a rotina normal, os fins de semana de diversão, que causa humilhação, aperto, solidão e grandes de ferro. Eu queria ser o recém nascido que é lindo e fofo, mas dá trabalho, tira o sono, berra, faz manha, cocô de minuto em minuto. Eu queria ser a amate que se garante, que destrói uma família, e crianças choram, e o pai vai embora, e mãe a se sente uma idiota.

Eu queria ser o grito que silencia, a solidão que agonia, a que passa a perna no jogo, a trambiqueira, a que fala pelas costas, a prostituta que fode e vai embora, e não chora, e não espera, e amanhã já tem outro no meio das pernas. Eu queria ser o trovão que assusta, e o raio que dispara descargas elétricas. Eu queria ser a desilusão, que diz que papai noel é o meu pai que bota uma almofada na barriga, e minha mãe a fada que troca meus dentes por moedas, que páscoa não é só chocolates e que Deus talvez seja uma tremenda mentira.

Eu queria ser a lágrima, e a amiga que rouba o namorado, e filho que joga os pais no asilo. A menina que rasga flores, que odeia o amor, que trata mal seja quem for. Eu queria ser a sede do deserto, o atalho que complica, a pessoa que começa uma briga. Eu queria ser a ressaca do dia seguinte, a palavra que foge no poema, o orgulho esquecido, o cara que corta as árvores e que prende os pássaros, a frieza, a falta de sorrisos.

Eu queria ser o fel que amarga a boca, e o egoísta que nega a água, e nega a família e os outros que se estrepem. Eu queria ser o espinho que fura, e o solo infértil, e o espelho que quebra, a macumba que não dá certo. Eu queria ser a falsa que fala com todo mundo, e mil amigos, e eu te amo feito piscar os olhos. E ser chuva em um dia de praia, e sapato que aperta o pé, cheio de chulé, roupa que engorda, quarto em desordem. E ser afta, e mentira e pontapé, desconforto, imperfeito e morno.

Eu só não queria ser a boba da corte, e sou o tempo todo. Não me leve a mal, hoje, eu só queria ser alguma coisa que fere, desespere, incomode, chame a atenção, tire a atenção e cause dor. Porque cansei de levar porrada, e suportar, e calar quando eu deveria urrar, e mutilar, e me entregar, e me ferrar, e levar patada, e de seguir regras, conceitos, sendo sempre a certa, a boazinha que só diz merda, e a esquisita que parece viver em outro planeta e a convencida que não fala com Deus e o mundo. Eu só não queria ser a que segue a dieta, procura as palavras certas, a que ama em demasiado, enxerga flor em tudo, e arco- íris, poemas e canções.

Eu só queria me lembrar, que eu posso machucar, mas não o faço. Só, pra não esquecer, pra não morrer, pra que eu possa me avistar, e enfim dizer que sou essa, e não hei de escapar de mim, mesmo que o mundo me dê brechas.

Elen Abreu

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